• Português
  • English
  • Español
  • info@laclima.org

    LACLIMA Paper Series

    O desafio da Justiça Climática no Mercado de Carbono: equilibrando a redução de emissões e a proteção das comunidades vulneráveis

    *Por Camila Henriques

    I. Justiça Climática: conceito e aplicação

    Inicialmente, importante elucidar que o conceito de Justiça Climática busca garantir que as ações tomadas para combater as mudanças climáticas sejam justas, equitativas e considerem os direitos e interesses das comunidades mais vulneráveis1.

    Assim, a referida concepção de Justiça2 reconhece que as mudanças climáticas afetam de maneira desproporcional as comunidades mais pobres, marginalizadas e vulneráveis, que, muitas vezes, têm pouca responsabilidade pelas emissões de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global.

    A Justiça Climática reconhece, ainda, que as mudanças climáticas não são apenas um problema ambiental, mas, também, um problema social e econômico que afeta desproporcionalmente as comunidades mais vulneráveis, como os povos indígenas, as comunidades costeiras, os agricultores familiares e os residentes de áreas urbanas pobres. Essas comunidades têm menos recursos e menos capacidade de adaptação aos impactos das mudanças climáticas, o que as torna mais vulneráveis a desastres naturais, como inundações, secas, tempestades e ondas de calor extremo.

    E o conceito3 em questão se aplica em várias áreas, desde a tomada de decisões políticas até a implementação de projetos e ações concretas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e mitigar os impactos das mudanças climáticas. A Justiça Climática exige que as políticas e ações climáticas considerem as necessidades e preocupações das comunidades mais vulneráveis e as incluam de forma ativa no processo de tomada de decisão.

    Da mesma forma, ela também exige que as responsabilidades históricas pelas emissões de gases de efeito estufa sejam levadas em consideração, garantindo que os países mais desenvolvidos assumam maior responsabilidade pelas emissões passadas e forneçam recursos financeiros e tecnológicos para os países em desenvolvimento, a fim de ajudá-los a implementar medidas de adaptação e mitigação.

    Assim, a Justiça Climática demanda uma abordagem ampla e integrada para enfrentar a mudança do clima, que busca garantir que as políticas e ações climáticas sejam justas, equitativas e considerem os direitos e interesses das comunidades mais vulneráveis, garantindo um futuro sustentável e justo para todos.

    II. Justiça Climática com foco no Mercado de Carbono

    Com a crescente preocupação em relação às mudanças climáticas, muitos governos e empresas estão buscando maneiras de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. 

    Uma das soluções mais comuns é o mercado de carbono – um instrumento econômico em que são comprados e vendidos créditos de carbono, que representam uma certa quantidade de emissões de gases de efeito estufa e que funciona com o objetivo de mitigar as mudanças climáticas, incentivando a redução das emissões desses gases, por meio de mecanismos de precificação do carbono. 

    O conceito básico é que as empresas ou países que excedem suas metas de redução de emissões podem comprar créditos de carbono de outras entidades que conseguiram reduzir suas emissões além do necessário. Isso cria um incentivo financeiro para a redução das emissões, já que as empresas podem lucrar com a venda de créditos de carbono excedentes. No entanto, existe uma preocupação crescente a respeito de como esse mercado pode afetar a Justiça Climática.

    A Justiça Climática se refere à ideia de que todas as pessoas devem ser capazes de viver em um ambiente saudável e seguro, independentemente de sua raça, gênero ou condição socioeconômica4. Isso significa que as políticas climáticas devem ser equitativas e não prejudicar desproporcionalmente os grupos marginalizados5.

    No contexto do mercado de carbono, há duas principais preocupações em relação à Justiça Climática: distribuição de créditos de carbono e impacto econômico nas comunidades mais vulneráveis.

    A distribuição de créditos de carbono é uma questão importante, pois, muitas vezes, as empresas mais poluentes têm mais créditos para vender, o que lhes dá uma vantagem econômica sobre empresas menores e mais limpas. Isso pode levar a uma concentração de poluição nas comunidades de baixa renda e minorias étnicas, que muitas vezes vivem perto de fábricas e instalações industriais6. Para evitar isso, alguns defensores da Justiça Climática pedem que os créditos de carbono sejam distribuídos de forma mais igualitária, com uma parcela significativa sendo reservada para projetos que beneficiem diretamente as comunidades mais afetadas.

    Além disso, o mercado de carbono pode ter um impacto econômico desproporcional nas comunidades mais vulneráveis. Por exemplo, se um setor econômico intensivo em carbono, como a indústria do carvão, for forçado a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, isso pode levar a perda de empregos em comunidades dependentes dessa indústria. Para evitar isso, alguns defensores da Justiça Climática – como Joe Uehlein, co-fundador e diretor-presidente do “Labor Network for Sustainabilit” – lutam para que sejam criados programas de transição justa, que ofereçam treinamento e emprego em setores mais limpos e sustentáveis7.

    Porém, mesmo com essas preocupações, muitos defensores da Justiça Climática, como os elencados acima e outros como Eduardo Viola8, ainda veem o mercado de carbono como uma ferramenta importante para combater as mudanças climáticas. Isso ocorre porque o mercado de carbono pode incentivar empresas a inovar e encontrar maneiras mais limpas de produzir e gerar energia. Além disso, ao limitar as emissões de gases de efeito estufa, o mercado de carbono pode ajudar a prevenir danos irreversíveis ao meio ambiente e às comunidades que dependem dele.

    Em resumo, a Justiça Climática é uma questão crucial, que deve ser levada em consideração em todas as políticas climáticas, incluindo o mercado de carbono. Embora o mercado de carbono possa ajudar a reduzir as emissões de gases de efeito estufa, é importante garantir que tal ferramenta não prejudique desproporcionalmente as comunidades mais vulneráveis. Para isso, é necessário estabelecer salvaguardas adequadas e mecanismos de monitoramento que garantam a proteção dos direitos humanos e dos interesses dessas comunidades.

    Além disso, é fundamental que as políticas climáticas adotem uma abordagem justa e equitativa, que leve em consideração a responsabilidade histórica dos países desenvolvidos pelas emissões passadas e o direito dos países em desenvolvimento de buscar um desenvolvimento sustentável. Isso pode incluir a transferência de tecnologia e recursos financeiros para os países mais vulneráveis, de modo que eles possam implementar medidas de mitigação e adaptação ao clima.

    Outro aspecto importante é a participação ativa e inclusiva das comunidades afetadas no processo de tomada de decisão. Isso implica em garantir que as vozes das comunidades mais vulneráveis sejam ouvidas e que elas tenham um papel ativo na definição das políticas climáticas.

    Uma forma efetiva de dar voz a comunidades vulneráveis é, por exemplo, ampliar a participação das mulheres nas medidas contra as mudanças climáticas9. Seguem alguns exemplos das ações tomadas para dar voz a tal grupo nas políticas climáticas, que podem também se aplicar a outras vozes socialmente vulneráveis:

    1. Incluir as mulheres na tomada de decisões: é crucial garantir que as mulheres sejam representadas de forma significativa em todos os processos de tomada de decisão relacionados à mudança climática, desde o desenvolvimento de políticas públicas até a implementação de medidas de mitigação e adaptação;
    2. Fornecer acesso a recursos e tecnologias: as mulheres frequentemente não têm acesso a recursos – como terra, água e crédito – e tecnologias. Para melhorar a capacidade das mulheres de combater as mudanças climáticas, é essencial garantir que elas tenham acesso igualitário a essas ferramentas;
    3. Fortalecer as habilidades e conhecimentos das mulheres: as mulheres frequentemente carecem de reconhecimento, embora tenham excelentes conhecimentos e habilidades no campo da gestão de recursos naturais. Elas podem se tornar líderes na gestão de recursos sustentáveis e na mitigação dos efeitos da mudança climática, desenvolvendo essas habilidades e conhecimentos;
    4. Abordar as desigualdades de gênero: as respostas e experiências das mulheres com os efeitos da mudança climática frequentemente refletem as disparidades de gênero que existem na sociedade. Para que as mulheres participem plenamente das soluções climáticas, é essencial abordar essas desigualdades; e
    5. Incentivar a participação das mulheres em movimentos e organizações climáticas: as mulheres devem ser incentivadas a ingressar em grupos e movimentos climáticos para que possam trabalhar no desenvolvimento de soluções climáticas e oferecer suas experiências e pontos de vista distintos.

    Em síntese, a Justiça Climática representa uma abordagem essencial para garantir que todas as pessoas, independentemente de sua condição socioeconômica, possam desfrutar de um ambiente seguro e saudável. Isso implica em políticas climáticas equitativas, que não apenas buscam reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas também consideram as necessidades e preocupações das comunidades mais vulneráveis.

    No contexto do mercado de carbono, é fundamental assegurar que sua implementação não perpetue desigualdades, distribuindo os créditos de carbono de forma mais igualitária e garantindo que as comunidades mais afetadas sejam beneficiadas. Além disso, é crucial promover a participação ativa dessas comunidades no processo decisório e fornecer recursos e capacitação para que possam enfrentar os desafios das mudanças climáticas. Ao adotar essa abordagem, pode-se não apenas mitigar os impactos das mudanças climáticas, mas também promover um desenvolvimento sustentável e justo para todos.


    *Advogada, com LLM em Direito Societário e Mercado de Capitais (IBMEC/SP), trabalha com Mercado de Crédito de Carbono, Direito Contratual Empresarial, M&A e Propriedade Intelectual e é integrante da LACLIMA.

    Referência

    As opiniões expressas neste artigo são do(s)(a)(as) autor(es)(a)(as) e não refletem necessariamente a opinião da LACLIMA.

    Baixar o artigo

    © LACLIMA LATIN AMERICAN CLIMATE LAWYERS INITIATIVE FOR MOBILIZING ACTION

    Desenvolvido com 💚 pela outlab.