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    LACLIMA Paper Series

    Bioinsumos são fundamentais para uma agricultura de baixa emissão de gases de efeito estufa e para a segurança alimentar e nutricional no Brasil

    *Por Samantha Graiki Proença e Denny Thame     

    O marco jurídico dos bioinsumos no Brasil foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado no dia 13 de setembro de 2023, 7 dias antes do anúncio da Ministra Marina Silva sobre a correção da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira, na Cúpula da Ambição Climática.   

    O Projeto de Lei n° 3.668/2021, de autoria do Senador Jaques Wagner (PT/BA), dispõe sobre a produção, registro, comercialização, uso, destinação final, pesquisa e experimentação, bem como estímulos à produção dos bioinsumos para a agricultura, incluindo a produção para consumo em propriedades rurais.

    De acordo com o Programa Nacional de Bioinsumos, os insumos biológicos abrangem produtos, processos ou tecnologias de origem biológica empregados para combater as pragas e doenças que atacam as produções agropecuárias, aquícolas e florestais. Incluem desde inoculantes, promotores de crescimento de plantas e biofertilizantes, até, por exemplo, produtos para nutrição de plantas e animais, promovendo a sustentabilidade e aumento de produtividade. Portanto, os bioinsumos podem substituir agrotóxicos e fertilizantes químicos.

    Segundo a Agência Senado (2023), o marco jurídico contribuirá para a transição da utilização de insumos químicos para os naturais, além de diminuir a grande dependência do país em relação à importação de fertilizantes sintéticos. O avanço é significativo, já que não há um arcabouço legal específico para bioinsumos no Brasil. Atualmente, aplica-se ao tema a Lei Federal n.º 14.785 de 27 de dezembro de 2023, que revoga a legislação anterior conhecida como a “Lei dos Agrotóxicos”. Fato é, entretanto, que os bioinsumos são muito diferentes dos agrotóxicos, principalmente com relação aos seus impactos ambientais.

    O projeto de lei contempla essa diferença e ainda tipifica os bioinsumos em três categorias de produtores: biofábricas comerciais, biofábricas on farm e unidades de produção – sendo as duas últimas referentes à produção para consumo próprio, porém com regras diferenciadas. 

    A legislação proposta também evidencia as vantagens ambientais dos bioinsumos, em consonância com a Agenda 2030 e com a Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, de modo a indicar a relevância desses produtos para o enfrentamento às mudanças climáticas e para o reposicionamento mundial do Brasil nas questões ambientais. 

    No âmbito da Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, o Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (Plano ABC+) é uma agenda estratégica do governo brasileiro que visa promover adaptações às mudanças climáticas no campo, fortalecendo a resiliência e a competitividade dos sistemas produtivos e, por fim, controlar as emissões de GEEs da agropecuária.

    Integrado à pauta de governança climática do país, o Plano ABC+ é uma das políticas setoriais de enfrentamento às mudanças climáticas e segue ajustado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), principalmente com seus objetivos 2 e 13, referentes, respectivamente, à erradicação da fome e a agricultura sustentável e à ação contra a mudança global do clima.

    O Plano ABC+ propõe, por meio de uma abordagem integrada da paisagem, o estímulo à adoção e manutenção de sistemas, práticas, produtos e processos de produção sustentáveis, que incluem o Plantio Direto de Hortaliças, os Sistemas Irrigados, a Terminação Intensiva, os Sistemas de Integração, as Práticas para a Recuperação de Pastagens Degradadas, os Manejos de Resíduos de Produção Animal e os Bioinsumos, agregando a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) e os Microrganismos Promotores do Crescimento de Plantas (MPCP). A meta é, por meio de tais instrumentos, reduzir, no total, cerca de 1,1 bilhão de toneladas de equivalentes de CO2, até o ano de 2030.

    O crescimento exponencial de biodefensivos no Brasil e no mundo impulsionou a criação do Programa Nacional de Bioinsumos, instituído em 2020 pelo Decreto Federal nº 10.375, com o intuito de amplificar e fortificar o uso de bioinsumos no país para beneficiar a agropecuária.   

    A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) atesta que os impactos positivos dos microrganismos na agropecuária são múltiplos. Substituir total ou parcialmente os fertilizantes sintéticos possibilita diminuir sensivelmente a dependência externa do Brasil em relação aos insumos, ao mesmo tempo que contribui para preservar os mananciais, a biodiversidade, a saúde dos agricultores e dos solos. 

    Outrossim, a utilização de bioinsumos é uma ação contra as mudanças climáticas, pois oportuniza reduzir as emissões do óxido nitroso – gás de efeito estufa (GEE) com elevado potencial de aquecimento, liberado a partir da síntese química e processamento, transporte e utilização dos fertilizantes químicos. Nesse ínterim, a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) é usada no Brasil em grande escala, especialmente na cultura da soja. A tecnologia é reconhecida mundialmente e sua constante utilização demonstra os benefícios na agropecuária. 

    Os primeiros estudos de FBN no Brasil se iniciaram em 1920, mas desaceleraram por falta de relevância econômica. A retomada desses ocorreu a partir da década de 1950, utilizando estirpes provenientes da América do Norte e da Austrália, e o interesse no tema apenas aumentou com a expansão da cultura da soja no país. Ao longo dos anos, as pesquisas demonstraram que os processos microbianos promovem a nutrição das plantas e propiciam produtividade no campo e maior resiliência, além de aumentar o aproveitamento das reservas hídricas dos solos. Sobre a mitigação de emissões de GEEs, constatou-se que a Fixação Biológica de Nitrogênio na cultura da soja (Safra 2020/2021) evitou a emissão de 206 milhões de toneladas de equivalentes de CO₂ para a atmosfera pela não utilização de fertilizantes nitrogenados.

    Esse reconhecimento como ferramenta de mitigação faz com que os bioinsumos sejam incorporados à Agricultura de Baixa Emissão de Carbono como uma das tecnologias e ou processos sustentáveis aplicados, inicialmente, no Plano ABC (2010-2020) e, agora, ao Plano ABC+ (2020-2030), adicionando outros Microrganismos Produtores do Crescimento de Plantas (MPCP), além da Fixação Biológica de Nitrogênio.

    A cientista Mariangela Hungria, pesquisadora da EMBRAPA Soja e integrante do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Microrganismos Promotores de Crescimento de Plantas (INCT-MicroAgro), ressalta a relevância dos bioinsumos para a economia na produção da soja em um capítulo escrito por ela e Marco Antonio Nogueira em uma publicação recente da EMBRAPA sobre a Fixação Biológica de Nitrogênio. 

    Hungria e Nogueira (2022) afirmam que o Brasil importa mais de 80% do nitrogênio, fósforo e potássio consumidos na agropecuária, o que amplia os custos dos processos do setor devido às oscilações cambiais. Exemplificam que, considerando a taxa cambial de US$ 1 correspondente a R$ 5,4759, a um custo de US$ 0,91 por kg de ureia – fonte principal de nitrogênio utilizado no Brasil -, o custo do fertilizante nitrogenado seria de US$ 462 por hectare (valores de janeiro de 2021). Em contrapartida, o custo médio do inoculante – produto composto por bactérias fixadoras de nitrogênio – seria de US$ 0,86 por hectare. Logo, se aplicados nos 38,526 milhões de hectares cultivados com soja no Brasil (Safra 2020/2021), haveria uma economia de US$ 17,88 bilhões.    

    Assim, a redução da importação dos insumos nitrogenados e sua consequente substituição por microrganismos pode proporcionar maior rentabilidade para o agronegócio, favorecer a diminuição das emissões de GEEs e, ao mesmo tempo, contribuir para o sequestro de carbono nos solos. 

    Além disso, como parte de políticas de adaptação climática, podem contribuir para mais segurança alimentar, evitando desastres como o que o Rio Grande do Sul está sofrendo, cuja consequência na produção de alimentos ainda está por ser quantificada . 

    Nesse sentido, ressalte-se que insumos químicos emitem GEEs de duas maneiras. Primeiro, durante a sua produção e comércio internacional. Isso porque tanto o processo industrial como o transporte marítimo requerem energia, a qual é fornecida por combustíveis fósseis, salvo raríssimas exceções em que se utilizam fontes renováveis.  

    Segundo os cientistas, durante o uso, os compostos químicos podem liberar GEEs quando são aplicados e entram em contato com o ar ou a água. O exemplo mais expressivo são os fertilizantes nitrogenados, que reagem com a matéria orgânica no solo para produzir óxido nitroso (N2O), que é um GEE cerca de 300 vezes mais potente que o dióxido de carbono (CO2). Não à toa, no caso do Brasil, esse tipo de insumo é um dos principais responsáveis pelas emissões de GEE dos solos manejados, conforme demonstrado pelo levantamento do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG, 2023) a partir da curva azul na base do gráfico a seguir.

    Figura 1: Emissões de GEE do setor agropecuária no Brasil

    Fonte: SEEG, 2023

    Os bioinsumos são vantajosos pois, além de gerarem emissões insignificantes de GEEs ao serem utilizados, promovem a elevação da quantidade de matéria orgânica e aumentam a saúde do solo. Isso proporciona uma maior produtividade, mais fotossíntese e sequestro de carbono, acarretando, portanto, maior sustentabilidade nas atividades agropecuárias. As vantagens da fixação biológica de nitrogênio em leguminosas podem ser observadas no quadro comparativo a seguir.  

    Figura 2: Principais vantagens e desvantagens da utilização de fertilizantes nitrogenados e do processo de fixação biológica do N₂ (FBN) em leguminosas.

    Fonte:Adaptado de Hungria e Nogueira, 2022.

    A AGROICONE (2020) aponta em uma de suas análises sobre a agricultura de baixa emissão de carbono que, entre os anos de 2007 e 2009, a Fixação Biológica de Nitrogênio mitigou de 17,98 a 19,47 milhões de Mg CO₂ equivalente, o que configura de 169 a 182% do compromisso brasileiro firmado, neste quesito, no Plano ABC. Isso demonstra o sucesso da tecnologia em questão, especialmente na cultura da soja, o que, inclusive, pode dar sustentação à recuperação de áreas degradadas. 

    No escopo do Plano ABC+, para os bioinsumos, a proposta é aplicar os Microrganismos Produtores do Crescimento de Plantas em uma área de 13 milhões de hectares até o ano de 2030. Isso corresponde a um potencial de mitigação de 23,4 milhões de Mg CO₂ equivalente, número bastante expressivo. 

    O impacto direto dos bioinsumos na redução das emissões de GEEs pela agricultura é uma das prioridades nos projetos de pesquisa do INCT – MicroAgro. O pesquisador Segundo Sacramento Urquiaga Caballero (EMBRAPA Agrobiologia) afirma que o instituto segue avançando na avaliação dos bioinsumos aplicados em leguminosas e em gramíneas, particularmente das bactérias recomendadas nos inoculantes em uso. A contribuição dos microrganismos e processos microbianos benéficos continuam em verificação e servem para subsidiar a aplicação desses na agropecuária brasileira.

    Nesse sentido, em 2022 foi divulgada uma pesquisa contendo resultados relevantes. A cientista Melissa Obando e outros pesquisadores avaliaram a emissão de óxido nitroso pela soja inoculada com diferentes cepas de Bradyrhizobium, uma espécie de bactéria simbiótica utilizada na América do Sul para fixar o nitrogênio atmosférico. O trabalho reafirma que a Fixação Biológica de Nitrogênio é vantajosa economicamente em relação ao uso dos fertilizantes químicos nas culturas de soja, emitindo quantidades notadamente menores de óxido nitroso, além de contribuir para uma maior sustentabilidade no campo. Os resultados do trabalho foram analisados e sintetizados por Caballero nos seguintes termos:

    “As emissões de N2O associadas a alguns Bradyrhizobium aplicados na soja são de valores insignificantes comparados com as emissões provocadas pela ação de bactérias de vida livre, reduzindo o NO3 derivado da adubação nitrogenada. Os Bradyrhizobium na soja, somente fixando pelo menos 200kgN/há, causam um enorme impacto na mitigação da emissão de GEEs. Nada supera a soja na produção de proteína vegetal com mínimo impacto ambiental.” (CABALLERO, 2023)

    As oportunidades, ações e pesquisas prosseguem de forma pujante, criando conexões e parcerias importantes no território brasileiro. No cerne do Programa Nacional de Bioinsumos, foi instituída a Rede de Inovação em Bioinsumos com o objetivo de reunir em uma única plataforma, denominada Catalisa Hub, quem dispõe de coleções de microrganismos que possibilitem o desenvolvimento de produtos sustentáveis para a agropecuária, fortalecendo as redes relacionadas à bioeconomia. 

    Dentro da pauta principal do Programa Nacional de Bioinsumos estão a atualização de normas; a promoção de boas práticas de produção e uso; a estimulação à capacitação e formação técnica; o incentivo à implantação de biofábricas; o fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação; e o incentivo de crédito para os produtores através do Plano Safra. Sob o mesmo guarda-chuva, alguns estados já possuem seus próprios programas relacionados a bioinsumos, tais como Goiás e Mato Grosso, enquanto outros ainda dão seguimento com a propositura de projetos de leis sobre o tema. 

    Em outubro de 2023, o ministro Carlos Fávaro, do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), participou do Fórum Bioinsumos no Agro na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), cujo foco foi a fertilidade dos solos, potencialização dos ganhos ambientais e a sustentabilidade na agropecuária. O evento reuniu especialistas, pesquisadores e players de instituições que debateram o assunto em 4 painéis, discorrendo sobre o cenário nacional e mundial do mercado para os bioinsumos, regulamentação e políticas públicas, bem como biodefensivos; biofertilizantes e bioinoculantes.

    Os desafios relacionados ao enfrentamento às mudanças climáticas e à implantação de uma Agricultura de Baixa Emissão de Carbono são numerosos e complexos, envolvendo diferentes atores, estratégias e ações. Contudo a segurança alimentar e nutricional deve ser contemplada. Os procedimentos para o fomento de políticas públicas e práticas sustentáveis na agropecuária no Brasil seguem sendo incrementados em harmonia com o que se preconiza mundialmente na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e Agricultura Inteligente para o Clima da FAO (Climate-Smart Agriculture, em inglês).

    Contudo, como enfatizou QU Dongyu, diretor-Geral da FAO, “a agricultura é um dos setores mais expostos e vulneráveis no contexto do risco de desastres”. Isso porque tal atividade depende da disponibilidade de recursos naturais e do clima, e os desastres relacionados aos eventos climáticos extremos podem debilitar tanto a segurança alimentar como a sustentabilidade dos sistemas alimentares. 

    Desse modo, além de tornar os sistemas produtivos mais resilientes por meio da adaptação e mitigar as emissões de GEEs, é emergencial que as bem sucedidas tecnologias da agricultura de baixa emissão de carbono sejam acessíveis não somente aos grandes produtores, mas aos pequenos e médios, aprimorando o desempenho no campo, gerando desenvolvimento sustentável, tanto para quem está no campo quanto para os outros elos da cadeia agroalimentar, contribuindo, assim, para gerar mais segurança alimentar com menos impacto ambiental e trazendo, com isso, desenvolvimento econômico dentro das barreiras planetárias.

    Nesse sentido, o novo marco legal dos bioinsumos constitui um progresso importante para consolidar boas práticas sustentáveis com potencial comprovado para substituir total ou parcialmente os fertilizantes químicos e agrotóxicos, contribuindo para a mitigação de emissões de GEE na agropecuária e melhorias na segurança alimentar e nutricional do país.   


    *Denny Thame pesquisa bioeconomia circular sustentável na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo e integrante da LACLIMA.

    *Samantha Graiki Proença – Geógrafa e educadora, especialista em Ensino de Geografia pela UNESP e Gerenciamento Ambiental pela ESALQ-USP. Participa da Rede Internacional de Pesquisa Resiliência Climática (RIPERC) e do grupo de pesquisas em Bioeconomia Circular Sustentável (ESALQ-USP), através do qual desenvolve estudos em políticas públicas sobre Agricultura de Baixa Emissão de Carbono. É líder da realidade climática pelo The Climate Reality Project Brasil, voluntária no Coletivo Socioambiental de Atibaia e no movimento Famílias pelo Clima.

    Data de publicação do artigo: 23/05/2024

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