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    Observatorio do Acordo de Paris

    14 de junho de 2024

    Resumão dos resultados da Conferência de Bonn 2024 (SB 60)

    Depois de uma COP que fez um “balanço global” sobre o Acordo de Paris, talvez todos pensassem que este é o momento de maturidade do processo, de aprender com os erros, de propor melhorias e ajustar o curso. Mas o multilateralismo climático é bem mais complexo que isso. A verdade é que estamos chegando muito perto da “hora da verdade” do regime da UNFCCC. Superadas as fases iniciais de consenso sobre as questões fáceis de regulamentação do Acordo de Paris, agora sobram as questões realmente difíceis. Agora é hora de trazer números à mesa e de dizer de onde o financiamento climático vai vir. É hora de destrinchar e estruturar as necessidades de adaptação dos países em desenvolvimento, e de esclarecer como as perspectivas de justiça e equidade serão operacionalizadas na transição climática de países, comunidades e grupos vulnerabilizados. E, é claro, é hora de explicar como aquela transição para longe dos combustíveis fósseis vai ser implementada. Para fugir dessas conversas vale tudo, desde criticar os facilitadores das reuniões e deslegitimar o processo até ameaçar bloquear a negociação, impedindo que qualquer ata das discussões seja adotada. A Conferência de Bonn de 2024 (SB 60) teve todos esses ingredientes e mostrou que os 194 países do Acordo de Paris não estão prontos para as conversas difíceis necessárias para se enfrentar efetivamente a crise climática. Já deu um gostinho amargo dos desafios que sobraram para a COP 29 em Baku.  

    1. Balanço Global (Global Stocktake, “GST”)

    O GST foi objeto de dois itens na agenda das negociações de Bonn.

    O primeiro deles diz respeito ao aperfeiçoamento do processo do GST com base na experiência adquirida no 1o Balanço Global do Acordo de Paris, conforme determinado na Decisão 1/CMA.5, parágrafo 192. Foram conduzidas consultas, que resultaram em uma nota informal não consensual contendo as visões das Partes sobre possíveis informações e elementos a serem considerados no próximo GST, como fontes de inputs, componentes de avaliação técnica, entre outros. Dentre os pontos de divergência, destaca-se a vinculação do processo do GST ao ciclo de relatórios e conclusões do IPCC. As discussões vão ser retomadas a partir desta nota informal na SB 61.

    O segundo item da agenda teve o objetivo de desenvolver as modalidades para o “Diálogo dos Emirados Árabes Unidos” (United Arab Emirates Dialogue, “UAE Dialogue”) sobre a implementação dos resultados do 1o Balanço Global do Acordo de Paris. Como o nome diz, este é um processo que parece ter por objetivo monitorar a implementação da decisão do GST em todos os seus elementos, incluindo aspectos de transição energética, mitigação, adaptação e outros. O “Diálogo de UAE” deve ser operacionalizado a partir da COP 29 e deverá ser concluído até a COP 33, em 2028. Este pode ser um espaço para conversas difíceis sobre como operacionalizar a “transição para longe dos combustíveis fósseis” e outros elementos sensíveis da decisão do 1o GST. Durante a Conferência de Bonn, houve divergência entre os países em relação à vinculação do Diálogo às discussões sobre financiamento climático e à implementação das contribuições nacionalmente determinadas. O SBI tomou nota das discussões entre as Partes para que se dê continuidade às considerações sobre o tema na SB 61 em novembro de 2024. Será também aberta a possibilidade para submissão de visões sobre as modalidades do Diálogo.

    2. Adaptação 

    Adaptação foi foco de pelo menos quatro itens de agenda, mas o maior destaque sem dúvida foram as discussões em torno do Objetivo Global de Adaptação (Global Goal on Adaptation, “GGA”). 

    Depois da adoção da “Estrutura dos Emirados Árabes Unidos para a Resiliência Climática Global” na COP 28, o objetivo em Bonn era dar início ao chamado Programa de Trabalho UAE-Belém (UAE – Belém Work Programme), um programa de 2 anos que vai definir os indicadores que servirão para medir o progresso na implementação da Estrutura. As discussões abordaram critérios e aspectos procedimentais de como se conduzir o mapeamento de indicadores existentes e relevantes para medir o progresso das metas de adaptação. As Partes chegaram ao último dia da Conferência ainda em debates intensos, com dificuldades em alcançar consenso. Mas as horas extras na sala de negociação deram resultado. Na ata de conclusão da reunião, reconheceu-se que financiamento é crucial para a implementação da Estrutura, e estabeleceu-se um processo e critérios para melhor mapeamento desses indicadores, inclusive por meio do recrutamento de especialistas e a realização de diálogos e workshops. A ata de reunião também tomou nota das discussões entre as partes durante a sessão, as quais serão retomadas na COP 29. 

    3. Financiamento

    Na Conferência de Bonn, o tema de financiamento climático não foi pautado na agenda formal, mas foi discutido em outras reuniões mandatadas por decisões anteriores das COPs.

    Um desses encontros foi a 10ª edição dos Diálogos Técnicos de Especialistas (TED), em que foram feitas diversas apresentações propositivas sobre o potencial conteúdo da Nova Meta Coletiva Quantificada de Financiamento Climático (NCQG), incluindo elementos de ambição, elementos qualitativos, sua estrutura e a transparência da meta. 

    Mas o clima esquentou mesmo no 2° Encontro do Programa de Trabalho Ad Hoc da NCQG, que tinha por objetivo avançar no escopo e na redação da decisão sobre a NCQG a ser adotada na COP 29. Nesse sentido, não houve avanços significativos. Esta foi a primeira oportunidade que as Partes tiveram de discutir uma proposta de texto de decisão, elaborado pelos co-facilitadores. O documento recebeu uma chuva de críticas, seja pela sua longa extensão, suposta redundância, duplicidade de conteúdos, contrariedade ao texto da UNFCCC e do Acordo de Paris, e abordagem além do mandato definido da NCQG. Grande ponto de frustração foi a falta de um “quantum” da meta que deve ser “quantificada”: os países em desenvolvimento manifestaram frustração com a postura dos países desenvolvidos, que não teriam apresentado nenhuma proposta de valor para a NCQG e preferiram focar a discussão na necessidade de ampliação da base de países contribuintes da meta. Outras divergências se deram quanto à composição da meta por recursos privados. Mas há que se reconhecer que houve alguns pontos de convergência, como a necessidade de acesso facilitado ao financiamento climático, a utilização da estrutura de transparência do Acordo de Paris (ETF), inclusive por meio do art. 9.5, e a necessidade de seu aprimoramento para a finalidade de monitoramento da entrega da meta. Um resumo será publicado com informações sobre o progresso da reunião. O texto voltará a ser discutido pelas Partes no 3° Encontro do Programa de Trabalho Ad Hoc da NCQG.

    4. Mercado de carbono

    Depois do colapso das negociações de mercados de carbono na COP 28, havia muita expectativa sobre a retomada do assunto neste ano. Como não houve nenhuma decisão referente aos Artigos 6.2 e 6.4. na COP 28, a rigor essas discussões não teriam um ponto de partida muito claro em Bonn. Diante disso, o presidente da sessão do órgão subsidiário onde as negociações ocorreram – o SBSTA – tomou a iniciativa de realizar consultas informais com as Partes e elaborar um rascunho informal de um texto de decisão, que as Partes aceitaram utilizar como base das negociações. O espírito na sala de negociação era claramente de mais disposição e medo de repetir a catástrofe do ano passado, mas isso não se traduziu na prática no texto final.

    No caso do Artigo 6.2 (referente aos Resultados de Mitigação Transferidos Internacionalmente – “ITMOs”), no entanto, esse texto-base foi crescendo ao longo da negociação, quando deveria estar sendo enxugado. As principais divergências que levaram ao fracasso da negociação em Dubai não puderam ser superadas, e as Partes voltaram a assumir suas posições duras. Enquanto alguns países defendem uma estrutura mais centralizada e rigorosa, outros entendem que o sistema deve ser mais descentralizado e flexível. Permanecem não resolvidas discussões básicas como a definição de “abordagens cooperativas” – e inclusive sobre a necessidade ou não de haver uma definição ou mesmo de haver uma discussão sobre a definição. Ou seja, não há consenso sobre o próprio escopo do que é o artigo 6.2. Mas houve sim progresso pelo menos em dois pontos dentro da vasta lista de tópicos em pauta: a definição de nomenclaturas comuns a serem usadas no registro de ITMOs e as modalidades de revisão de informações confidenciais reportadas pelas partes. Outro ponto decidido foi de que somente a partir de 2028 as partes discutirão sobre a possibilidade de que ITMOs sejam emitidos a partir de atividades de “emissões evitadas”. Mas isso não sem antes muito desconforto de países que receavam que pudesse haver alguma interpretação de que isso impede a emissão de ITMOs de atividades de redução e remoção já definidas nas regras do artigo 6.2. Isso tudo se deve à falta de definição sobre o que são essas “emissões evitadas”, e medo que esse conceito se confunda com o conceito das atividades de remoção e redução. 

    Com relação ao Artigo 6.4 (que institui um mecanismo de certificação de unidades de mitigação de GEE), a agenda era bem menos desafiadora, principalmente porque muitos aspectos da operacionalização do mecanismo estão sendo tratados pelo Órgão Supervisor do Artigo 6.4 (Art. 6.4 Supervisory Body, “SBM”). O SBM está elaborando ainda aspectos de seu funcionamento que serão encaminhados diretamente à COP 29. No entanto, as discussões abordaram possíveis orientações adicionais ao SBM, inclusive em relação a transição de projetos do MDL relacionados a atividades de reflorestamento para o mecanismo do Artigo 6.4. Outro impasse nas salas de negociação foi a possibilidade de futura transformação das Unidades de Contribuição de Mitigação (MCUs) em ITMOs. As MCUs são unidades de redução de emissões não autorizadas para fins de cumprimento de NDCs ou para outros fins de mitigação internacional. Em outras palavras, são créditos de carbono que não passam pelos famigerados “ajustes correspondentes”, e que poderiam ser emitidos pelos países para uso interno em seus mercados de carbono domésticos (ou para mercados voluntários de carbono, como alguns defendem). Alguns países defenderam a possibilidade de futura conversão desses créditos em ITMOs provavelmente como uma forma de mitigar o risco de emissão precipitada de ITMOs, ou seja, de se emitir ITMOs que depois teriam sido necessários para que o país cumpra sua NDC. 

    Já quanto às negociações do Artigo 6.8 (que trata da cooperação entre os países para atingir suas metas de mitigação e adaptação climática por meio de abordagens não-mercadológicas “NMAs”), a novidade é que houve finalmente o lançamento da plataforma online para registro e compartilhamento de informações sobre NMAs (“NMA Platform”). Na ocasião, notou-se que já havia indicação de 52 pontos focais, e lançou-se também um manual para usuários da plataforma. As discussões do artigo 6.8 se dão dentro do Comitê de Glasgow sobre Abordagens não-mercadológicas (“Glasgow Committee on Non-market Approaches”), e incluem a realização de workshops e spin-off groups em cada sessão. Nesta sessão em Bonn, foi realizado um workshop, onde as partes e organizações fizeram apresentações sobre financiamento, tecnologia e capacitação para a identificação e desenvolvimento de NMAs, além de spin-off groups nos quais as partes discutiram os próximos passos do programa de trabalho para implementação do Artigo 6.8, incluindo aspectos de envolvimento de povos indígenas e comunidades tradicionais.

    5. Mitigação

    O tema da mitigação foi incluído na agenda de Bonn a partir das discussões sobre o Programa de Trabalho de Mitigação e Ambição de Sharm el Sheikh (MWP). Apesar da importância do tema, há uma enorme divergência entre os países sobre o mandato, ou seja, sobre o que exatamente eles devem discutir nesse programa de trabalho. Para lembrar, o MWP já havia sido bastante esvaziado na COP 28, quando se esperava que fosse consagrado como um processo para aumentar a ambição das NDCs até 2030. O resultado foi um programa para “troca de experiências” de mitigação entre os países por meio de workshops. Contudo, em Bonn foram introduzidos questionamentos sobre como considerar dentro do MWP os resultados do GST sobre o tema de mitigação. Houve forte oposição de dois blocos – o Grupo Árabe e o Grupo Like-Minded Developing Countries (LMDC), que não permitiram que fosse sequer adotada a ata com as discussões da reunião, pois o conteúdo da ata e das discussões estaria fora do mandato do MWP – incluindo uma possível integração dos resultados do GST no planejamento futuro do MWP e potencial função do MWP em auxiliar a preparação das novas NDCs. Com tamanha divergência, foi aplicada a chamada “Regra 16” do regimento interno da UNFCCC, o que significa que o item de agenda será retomado do zero na próxima sessão em Baku, ignorando-se completamente as discussões ocorridas em Bonn.

    6. Transição Justa

    A COP 28 com muita dificuldade conseguiu estabelecer o “Programa de Trabalho de Transição Justa dos Emirados Árabes Unidos” (United Arab Emirates Just Transition Work Programme), e a retomada do programa em Bonn foi marcada pelas mesmas divergências não resolvidas em Dubai. Enquanto grupos de países desenvolvidos queriam manter o escopo do programa restrito aos impactos a trabalhadores e com foco nas metas de mitigação, grupos de países em desenvolvimento defenderam uma abordagem mais ampla e inclusiva, e a elaboração de um plano de trabalho para o programa, inclusive com necessidade de se prever financiamento para transição justa. Apesar disso, no último minuto as Partes acabaram concordando em seguir adiante com as discussões a partir de um texto que capturou as notas da reunião. O texto destaca a importância de abordagens para a transição justa que sejam adequadas às circunstâncias nacionais, e contém referência ao papel dos direitos humanos, igualdade de gênero, trabalho decente, direitos trabalhistas, e engajamento amplo de stakeholders, incluindo trabalhadores afetados, comunidades vulneráveis, povos indígenas, comunidades locais, migrantes e pessoas deslocadas internamente, crianças, jovens e pessoas com deficiência, na formação de caminhos para transições justas, eficazes, inclusivas e participativas. Ainda contempla menção às barreiras enfrentadas pelos Países em desenvolvimento e a importância da provisão de meios de implementação como financiamento, capacitação e transferência de tecnologia para a promoção do desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza no contexto da descarbonização.

    7. Perdas e danos 

    O tema de perdas e danos foi objeto de um único item de agenda em Bonn neste ano, especificamente para discutir os termos de referência para a revisão dos trabalhos do Mecanismo Internacional de Varsóvia sobre Perdas e Danos (Warsaw International Mechanism, “WIM”), que ficou conhecido como o braço de implementação da agenda de perdas e danos na UNFCCC. As partes decidiram encaminhar um rascunho de Termo de Referência para a COP 29. Também incumbiram o Secretariado da UNFCCC de preparar um relatório que servirá para informar esse processo de revisão, abrangendo dados sobre as decisões e mandatos relevantes do WIM, seus arranjos institucionais, o progresso da implementação do plano de trabalho do Comitê Executivo do WIM, bem como sobre o status da operacionalização da Rede de Santiago e os resultados do 1o GST. 

    Além dessa agenda da negociação, Bonn também foi palco da 3ª e última rodada do Diálogo de Glasgow. Entre os assuntos discutidos, destacou-se a necessidade de aumentar a coerência e coordenação de esforços relativos a perdas e danos, a insuficiência de recursos e sobretudo a necessidade de incorporar o tema de forma clara na NCQG. Apesar das discussões mais contundentes sobre a inclusão das perdas e danos no escopo da NCQG, o tema parece ter perdido um pouco de tração depois da criação e operacionalização do “Fundo de Resposta às Perdas e Danos” (Fund for Responding to Loss and Damage). 

    8. Transparência 

    O tema transparência é especialmente relevante neste ano, pois o prazo para apresentação dos primeiros Relatórios Bianuais de Transparência (Biennial Transparency Reports, “BTR”) no âmbito do Acordo de Paris vence em dezembro de 2024. 

    Mas em Bonn a agenda de negociações ainda tratou sobre os instrumentos de transparência da Convenção, que serão substituídos pelos do Acordo de Paris. Entre as questões discutidas, destaca-se a disponibilização de apoio financeiro aos países em desenvolvimento para elaborar seus relatórios de transparência. Os países em desenvolvimento requerem que haja um fluxo mais adequado e contínuo de recursos para viabilizar a elaboração dos documentos dentro do prazo e com mais eficiência. Nesta discussão foi possível elaborar um rascunho de decisão a ser apreciada na COP 29, na qual se ressalta a importância de simplificar os procedimentos do Global Environment Facility (GEF) e explorar modalidades alternativas para facilitar o acesso aos recursos financeiros. O texto também reconhece os desafios contínuos enfrentados pelos países em desenvolvimento, e requer apoio adicional e contínuo para melhorar suas capacidades institucionais e técnicas de forma sustentável.

    Sobre o mecanismo de transparência do Acordo de Paris, houve um item de agenda para discutir aspectos metodológicos do uso das ferramentas de relato preparadas pelo Secretariado da UNFCCC. Ao final das discussões, as Partes acolheram a versão de teste das ferramentas eletrônicas para a elaboração de relatórios nos formatos comuns de tabelas e quadros. Também designaram a organização de workshops para demonstrar as funções dessas ferramentas aos especialistas nacionais. As ferramentas estarão disponíveis até o final de junho de 2024, com algumas funcionalidades ainda em desenvolvimento. Ainda destacaram a importância de treinamento e suporte técnico para os países em desenvolvimento, especialmente os menos capacitados e os mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, e encorajaram o Secretariado a disponibilizar ferramentas de relatórios em todas as línguas oficiais das Nações Unidas e a informar os pontos focais nacionais sobre as atividades de treinamento. 

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