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    LACLIMA Paper Series

    Desmatamento, agronegócio e mudanças climáticas: a busca do equilíbrio entre produtividade e preservação ambiental

    *Por Sandra de Oliveira Dias e Denny Thame

    O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o AR6, publicado em março de 2023, apresenta os resultados das pesquisas de seus três grupos de trabalho ao longo dos últimos 5 anos [1] . As conclusões apontam para a urgente necessidade de conter o aumento da temperatura global em no máximo 1,5°C, exigindo uma drástica redução nas emissões de gases de efeito estufa (GEE). De acordo com esses estudos, percebe-se que, no mundo, as emissões de GEE e as mudanças climáticas têm origem, principalmente, na industrialização, no transporte e no uso de combustíveis fósseis. No entanto, no Brasil, a realidade é diferente, já que entre as principais atividades que mais contribuem para as emissões estão o desmatamento e a agropecuária, sendo essas duas fontes relacionadas entre si. 

    O Relatório Anual de Desmatamento – RAD – do MAPBIOMAS apontou que 96% do desmatamento registrado no Brasil em 2022 pode ser atribuído às atividades de pecuária e agricultura. Em números, o setor agropecuário é responsável pelo desmatamento de 1.969.095 ha, correspondendo a 95,7% do total de 2.057.250 ha de supressão de vegetação nativa registrada no ano passado. Na sequência, o garimpo contribuiu com 5.965 ha de desmatamento, e a mineração com 1.128 ha, seguidos por outras atividades, como expansão urbana. 

    Nesse contexto, é surpreendente notar que 83% da área desmatada está devidamente registrada no Cadastro Ambiental Rural – CAR. Outro dado interessante demonstra que 34% do desmatamento se sobrepõe a áreas de Reserva Legal e 9% a Áreas de Preservação Permanente; ou seja, trata-se de atividade certamente ilegal, não havendo espaço para discussão de que poderia decorrer de autorizações de competência municipal, estadual ou federal. Assim, é possível identificar os responsáveis e puni-los. No entanto, uma série de problemas sistêmicos e a escala continental do Brasil dificultam a implementação da lei e ampliam o impacto desse problema. 

    É interessante observar que os imóveis onde houve desmatamento correspondem a apenas 1,1% do total de imóveis registrados no CAR. Ou seja, de acordo com esse dado, podemos concluir que 98,9% dos proprietários de terra no Brasil não estão envolvidos nessa prática. Além disso, estima-se que cerca de um terço dos produtores no Brasil já usam alguma técnica de agricultura de precisão, que propicia maior produtividade em menor área, com uso de menos insumos e de forma mais sustentável. 

    Precisamos aumentar ainda mais a proporção dessa agricultura tecnológica e sustentável. No mundo, a perspectiva futura é de que o mercado de agricultura de precisão cresça significativamente, alcançando o valor de US$ 20,8 bilhões em 2026, com uma taxa anual de crescimento de 10,1%. O uso de tecnologias e iniciativas empreendedoras como as que têm surgido com as Agtechs representa um mercado promissor para suprir a necessidade de aumento de produtividade no campo. E o crescimento desse tipo startups voltada à agricultura, de laboratórios e de empresas de tecnologia que contribuem para a diminuição do uso de insumos, a circularidade e a sustentabilidade do agro contribuem também para gerar o mesmo desenvolvimento nos setores industriais e de serviços. 

    Segundo o Banco Mundial, esta seria, justamente, a chave macroeconômica mais eficiente para conter desmatamentos. Além de comando e controle do desmatamento, precisamos olhar para economia como um todo e achar formas de superar o legado da industrialização por substituição de importações e avançar na cadeia de valor. Não podemos ficar presos nos produtos primários; os nossos motores econômicos precisam ir além das commodities, conciliando a industrialização, com a biotecnologia e o desenvolvimento com as florestas em pé.  

    Estes avanços nos setores industriais e de serviços ajudam a diminuir a pressão pela conversão de terras, reduzindo assim o desmatamento. Portanto, as iniciativas empreendedoras das Agtechs têm potencial para desempenhar papel fundamental na busca por soluções mais sustentáveis para que a produção de bioinsumos gere mais produtividade nas atividades agropecuárias e florestais, contribuindo, ao mesmo tempo, para o desenvolvimento dos setores agrícola, industrial e de serviços.

    As conclusões macroeconômicas do Banco Mundial demonstram que deve-se partir da premissa de que a floresta em pé tem valor econômico maior do que quando é desmatada. E o aumento da produtividade dos outros setores da economia além do agrícola é fundamental para criar condições para a diminuição do desmatamento. Para isso, é preciso aumentar ainda mais a integração da tecnologia ao setor agropecuário, aproveitando o crescimento significativo que se tem observado. 

    A agropecuária exerce um papel significativo na economia brasileira. Se no começo do século XX éramos importadores de alimentos, hoje o setor assume o protagonismo. Pelo método adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que segue as métricas internacionais, e analisa o agronegócio “porteira para dentro”, ou seja, considerando as atividades diretamente relacionadas à produção, como plantio, manejo e colheita, por exemplo, o setor contribui com cerca de 5% a 6% para o PIB nacional.

    Pela estimativa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA), que utiliza uma metodologia mais sistêmica, com foco no valor agregado e que considera o agronegócio como produtor de insumos para pecuária e agricultura, além de incluir no cálculo as agroindústrias que processam matéria-prima, o agronegócio contribui para o PIB brasileiro com cerca de 25% a 30%. É importante ressaltar que as duas metodologias não se contestam, mas se complementam.

    O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apresenta outros números importantes. O relatório de janeiro de 2023, sobre as exportações do agronegócio, registrou um crescimento de 32% no setor. No primeiro mês de 2023, a produção já atingiu US$ 10,22 bilhões (16,4% a mais que o mesmo mês do ano passado). Assim, o agronegócio bateu recorde na balança comercial, fechando superavitário em US$ 8,69 bilhões. Enquanto isso, a cesta de produtos dos demais setores apresentaram superavit total de apenas US$ 2,61 bilhões. 

    Apesar das importações também terem crescido (com alta de 15,1% no acumulado do ano, totalizando US$ 1,53 bilhão em janeiro de 2023), o aumento nas exportações foi muito mais expressivo, atingindo 29,6% no acumulado dos últimos doze meses, o que representa US$ 142,66 bilhões. Esse desempenho compensou o déficit acumulado em outros setores, resultando em um saldo total positivo de US$ 64,19 bilhões para a economia brasileira. 

    Por esses números percebe-se que o projeto de desenvolvimento econômico do Brasil foi muito eficiente em aumentar a produtividade da produção de alimentos em menos de metade de um século. Esse mesmo sucesso alcançado pelo agronegócio deve ser buscado também nos setores industriais e de serviços. Segundo o Banco Mundial, como mencionado, aumentar a produtividade nesses outros setores, assim como no agronegócio, seria uma forma eficiente de desestimular o desmatamento

    No entanto, reestruturar o modelo de desenvolvimento de um país em direção à bioeconomia circular sustentável não é uma tarefa fácil. Assim, a questão que envolve meio ambiente e agronegócio é complexa e exige o enfrentamento conjunto entre defensores de ambos os setores. 

    Diante da aceleração das mudanças climáticas, é necessário um esforço global na busca de soluções, que promovam o desenvolvimento econômico, garantindo, ao mesmo tempo, os aspectos sociais e ambientais. É com essa abordagem conjunta que se poderá cumprir as metas da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, principalmente o ODS 2, relativo à erradicação da fome, em que o Brasil se comprometeu a alcançar a meta de segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável; e o ODS 13, em que se responsabilizou a tomar medidas urgentes para combater as mudanças climáticas e seus impactos.

    Sendo assim, os resultados apresentados pelo RAD não podem ser utilizados para apontar todo o segmento do agronegócio como um grande vilão. Pelo contrário, os resultados deveriam estimular o debate sobre como canalizar esforços para que a “produção agrícola se adapte ao ambiente de tal forma que a dependência de insumos externos e de recursos naturais não-renováveis seja mínima”; e, ao mesmo tempo, assegurar a competitividade do agronegócio no mercado interno e externo, dando suporte à economicidade da cadeia produtiva e à qualidade do produto. 

    Pois, no combate ao desmatamento relacionado ao agronegócio, é necessário o engajamento de diferentes atores, como governos, produtores, sociedade civil e consumidores. Nesse sentido, algumas medidas podem contribuir para alcançar um melhor equilíbrio entre aumento da produtividade agrícola e manutenção da vegetação nativa. Dentre elas, destaca-se o fortalecimento da fiscalização, a aplicação da legislação ambiental, a promoção de incentivos para práticas sustentáveis, a conscientização sobre os impactos do desmatamento e o aumento do uso da tecnologia na produção agrícola. Aliado a isso, a redução de juros à parcela do agronegócio que adota tecnologias avançadas e contribui para a produção sustentável do ponto de vista ambiental é uma política bastante adequada que precisa ser ampliada.

    É evidente o papel do agronegócio nas emissões de GEE, sobretudo na pegada de carbono do Brasil. Mas também há um potencial enorme de o setor promover eficientes medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O setor pode promover impactos positivos na descarbonização  por meio da utilização de novas tecnologias e inovações que visem reduzir o desmatamento a zero, bem como do aproveitamento de áreas degradadas e abandonadas para obter maior produtividade. O uso de tecnologias e iniciativas empreendedoras como as “Agtechs” representa um mercado promissor para suprir a necessidade de aumento de produtividade no campo. Em paralelo a isso, é fundamental o papel do Estado em realizar o devido “enforcement“, com a aplicação da legislação ambiental brasileira, cabendo aos órgãos fiscalizadores adotarem as medidas cabíveis contra os infratores da lei. Na temática do desmatamento o agro é “vilão, vítima e solução“.

    Referência

    [1]  O grupo I foca no estudo do clima, o II trata dos impactos das mudanças climáticas e de possíveis soluções e o III aborda as dimensões econômica e social das mudanças climáticas. 

    As opiniões expressas neste artigo são do(s)(a)(as) autor(es)(a)(as) e não refletem necessariamente a opinião da LACLIMA.

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