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*Denny Thame
A agricultura e pecuária como são praticadas atualmente emitem gases de efeito estufa, e são, depois do desmatamento, a principal fonte das emissões brasileiras.
Mas com técnicas e tecnologias disponíveis atualmente [1], a alteração do modo de produção em direção à integração, maior circularidade e intensificação de uso de insumos, a agropecuária brasileira poderia neutralizar suas emissões e eventualmente até sequestrar carbono.
Nesse novo conceito de produção sustentável e circular, poderiam surgir fazendas que, além de produção agropecuária, vendessem “sequestro de carbono”. A existência de um quadro regulatório governamental pode ser uma das principais forças motrizes para essa mudança.
O Plano de Agricultura de Baixo Carbono, por exemplo, está na sua segunda década de aplicação e já promoveu R$17 bilhões em ações de recuperação de pastagens degradadas, fixação biológica de nitrogênio, acumulação de matéria orgânica no solo, plantio direto, integração lavoura, pecuária e floresta, entre outros.
O programa RenovaBio é outro exemplo que, ao criar a obrigatoriedade de compra de créditos de descarbonização pelas distribuidoras de combustíveis fósseis, fomentou a produção sustentável da bioenergia, principalmente da cana.
A matriz energética brasileira – uma das mais renováveis do mundo – também é um diferencial quando se pensa nos projetos, levando em conta a metodologia de ciclo de vida dos produtos, na qual também se contabiliza as emissões na etapa de transportes.
Outras normas e regulamentos não diretamente relacionados ao setor da agricultura também podem estimular o desenvolvimento desse novo modelo, inclusive iniciativas de autorregulação. A tabela a seguir mostra alguns exemplos de instrumentos que podem ser usados para criar valor econômico para a agropecuária sustentável:
Tipo | Norma | Efeito |
---|---|---|
Normas Voluntárias de Sustentabilidade | Acordos privados entre produtores, certificadoras, selos de qualidade e desenvolvedores de padrões | Prêmio de preçoAcesso a mercados diferenciadosMelhores condições contratuais |
Pagamentos por serviços ambientais | Leis federal, estaduais e municipais | Pagamento direto pelo serviço ecossistêmico prestadoFinanciamento e assistência técnica facilitados |
Cédula de Produto Rural Verde(CPR-V) | Lei do Agro LEI 13.986/20 e decreto | Produtor pode receber recursos da iniciativa privada para preservar florestas em pé ou formar novas florestas, inclusive em áreas de reserva legal (em que já há essa obrigação legal) |
Letras de Crédito do Agronegócio LCA-Verde | Regulação da Comissão de Valores Mobiliáriose incentivo fiscal (isenção de imposto de renda a investidores pessoa física e isenção do imposto sobre operações financeiras) | Bancos comerciais ou instituições financeiras podem captar recursos para financiar o agronegócio com emissões mais atrativas de títulos de renda fixa condicionados a critérios de governança socioambiental |
Financiamento verde Certificados de Recebíveis do Agronegócio CRA -Verde | Regulação da Comissão de Valores Mobiliáriose incentivo fiscal (isenção de imposto de renda a investidores pessoa física e isenção do imposto sobre operações financeiras) | Emitido diretamente pelos produtores rurais, cooperativas ou empresas do agronegócio mais atrativos se condicionados a critérios de governança socioambiental |
Fundos de Investimento no Agronegócio Fiagro-Verde Direitos Creditórios (Fiagro-FIDC) Imobiliários (Fiagro-FII) Participações em uma empresa agrícola (Fiagro-FIP) | Lei nº 14.130/21 As pessoas físicas são isentas desde que o fundo tenha ao menos50 cotistas, e cotista pessoa física não detenha mais de 10% das cotas do fundo | Grupo deinvestidores se juntam em sociedade para adquirir ativos e repartir os ganhos econômicos. Além de o fundo de investimento fazer análises de critérios de crédito, também conta com análises de critérios de governança socioambiental. |
Mercado de carbono voluntário | Cada entidade de registro para créditos no mercado voluntário tem as suas regras e metodologias. A Verra é a líder de mercado, seguida pela Gold Standard. | Grandes produtores (porque os inventários são caros) podem desenvolver projetos de crédito de carbono e vender para empresas que buscam compensar suas emissões de forma espontânea. |
O novo Marco Regulatório dos Fundos de Investimento, Resolução CVM 175/22, por exemplo, contemplou essa nova modalidade de investimentos sustentáveis, exigindo clareza e transparência no linguajar para identificação de tais investimentos.
Assim, se algum título for ofertado pelo emissor como “verde”, “social”, “sustentável”, deverá obrigatoriamente informar:
a) quais metodologias, princípios ou diretrizes são seguidos para se definir essa qualificação de sustentabilidade
b) qual a entidade responsável por verificar esses critérios e que tipo de avaliação será feita;
c) obrigações que a oferta impõe para enquadrar um investimento como sustentável
d) especificações sobre a forma, a periodicidade e a entidade responsável pelo reporte acerca do cumprimento das obrigações
Outras novidades regulatórias estão surgindo, que podem também servir de estímulo para a transição para a agropecuária sustentável, como a exigência europeia de comprovação de ausência de desmatamento na cadeia de fornecimento, e os novos “créditos de biodiversidade” [2].
O agronegócio brasileiro precisa desconstruir uma má interpretação de sua posição no mundo. Parte significativa do setor acredita que o país é naturalmente o celeiro mundial; sem suas exportações, o mundo passaria fome.
Mas o protagonismo brasileiro é muito maior. Somos uma potência agroambiental, um dos países mais megadiversos do mundo, que só tem a ganhar com o contexto da bioeconomia circular sustentável. O Brasil deve direcionar suas estratégias políticas para aumentar as sinergias entre os negócios sociais e ambientais, promovendo a transformação de longo prazo para uma agricultura mais circular, sustentável e biotecnológica.
*Denny Thame pesquisa bioeconomia circular sustentável na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo e integrante da LACLIMA.
Referências
[1] São exemplos de algumas técnicas sustentáveis integração lavoura, pecuária, floresta; plantio direto; uso de aditivos orgânicos (adubos, resíduos agroindustriais, biochar); controle biológico de pestes; plantas de cobertura para evitar deixar solo exposto; fertirrigação reduzindo uso da água; recuperação de pastagens degradadas e manejo com rotação de pastagens em áreas de culturas;
[2] Em dezembro de 2022 o Parlamento Europeu aprovou o Projeto de Regulação nº 2021/0366 (COD) que tem como seus principais objetivos: combater a degradação e/ou o desmatamento de áreas preservadas; respeitar direitos humanos; e os direitos dos povos indígenas. E para assegurar esses objetivos, determina às empresas europeias, quando forem realizar a importação de commodities, promover uma due diligence na cadeia produtiva/extrativista dos referidos bens.E na de crédito de biodiversidade:O Global Biodiversity Framework assinado em Montreal ano passado reforçou a necessidade de instrumentos financeiros precisos e inovadores para mobilizar pelo menos US$ 200 bilhões anualmente de fontes públicas e privadas para financiar a implementação de planos e estratégias relacionados à biodiversidade. Provavelmente os créditos de biodiversidade irão seguir a lógica dos créditos de carbono, só que com metodologia específica.
As opiniões expressas neste artigo são do(s)(a)(as) autor(es)(a)(as) e não refletem necessariamente a opinião da LACLIMA.
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